Após a repercussão sobre o confisco de dinheiro das contas das Universidades e Institutos Federais, a Gazeta do Cerrado entrevistou nesta sexta-feira, 07, o Professor da Universidade Federal do Tocantins, Pesquisador em Educação e Doutor Adão Francisco.
Ele que também é pós-doutor em Geografia pelo IESA-UFG e Presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia (ANPEGE), explicou sobre o cenário da Educação com esse novo contingenciamento através do Decreto nº 11.216, do dia 30 de setembro de 2022, do Governo Federal.
Questionado sobre como confisco das Instituições Federais de Ensino Superior, ele disse que o ensino já vinha sofrendo desde o final do ano passado e que agora se consolida a ameaça contra a Educação.
Sobre a UFT dizer que vai remanejar os recursos e fazer os ajustes necessários até dezembro, Adão Francisco avaliou que é importante ter claro que os recursos públicos investidos na Educação brasileira nunca foram suficientes para o conjunto de sua demanda.
Na entrevista ele ressaltou ainda que “O descaso é tão grave e o enfrentamento tão absurdo que no ano de 2020, ano da manifestação da pandemia da Covid-19, a Educação brasileira necessitou de mais recursos para a estruturação do ensino remoto de acesso a todos e para a manutenção e fortalecimento da alimentação escolar que chegasse a todos”.
Veja na íntegra
– Como esse confisco pode afetar a UFT, UFNT e IFTO?
Dr. Adão Francisco – O confisco atual feito pelo presidente Jair Bolsonaro, sob a forma de confisco (esse dinheiro já estava na conta das universidades e institutos), consolida a ameaça que essas instituições de ensino já vinham sofrendo desde o final do ano passado, com a aprovação de um orçamento muito inferior ao das necessidades. As instituições são prejudicadas principalmente em sua manutenção, de modo que despesas com energia, água e transportes, por exemplo, não possam ser satisfeitas, assim como a continuidade de pesquisas, ao que se soma o não acesso aos insumos.
Cabe ressaltar que a maior parte das pesquisas científicas no Brasil é realizada nas universidades federais, principalmente nos cursos de pós-graduação stricto sensu.
Como tem sido de praxe do governo Bolsonaro, o corte acontece de acordo com as reações políticas ao seu governo: retira-se primeiramente recursos da Educação, da Ciência e Tecnologia e da Saúde, pela ordem. Depois retira-se de acordo com as manifestações dos profissionais das instituições de cada setor.
No caso das universidades federais, por exemplo, aquelas onde há professores influentes críticos do modelo político e de gestão de Jair Bolsonaro, bem como naquelas onde os reitores se manifestam criticamente às políticas do governo, o contingenciamento tende a ser maior.
-Em nota a UFT disse que essa confiscação do dinheiro não deve prejudicar o funcionamento da UFT, o que o senhor como Dr em Educação tem a dizer sobre isso?
Dr. Adão Francisco – Se por um lado geralmente são as grandes universidades e institutos os mais afetados com esses confiscos, por outro, há essa questão da manifestação política. Nesse sentido, o reitor da UFT, professor Luís Bovolato, prefere a discrição e os seus pró-reitores seguem a linha.
– A nota diz também o orçamento atual não é o ideal, mas que com planejamento e remanejamento dos recursos a UFT fará os ajustes necessários durante o período de contingenciamento. Não há o risco da falta recursos em outras áreas também necessárias da Instituição com esse remanejamento?
Dr. Adão Francisco – Desde o início do governo Bolsonaro que os principais cortes de orçamento e investimento se dão na Educação e na Ciência e Tecnologia. Apesar de isso representar uma imensa incoerência social é, sem dúvida, bastante coerente com a sua lógica de governo: o negacionismo do conhecimento científico. É justamente por isso que o presidente elegeu os professores como os seus principais adversários políticos: são eles os responsáveis pela produção e pela reprodução do conhecimento científico.
Mas é importante ter claro que os recursos públicos investidos na Educação brasileira nunca foram suficientes para o conjunto de sua demanda, porque as desigualdades sociais e regionais ainda têm muito impacto na formação e na produção científica. Logo, todo e qualquer corte significa DESMONTE. Não há como qualquer instituição de educação não ser afetada com o atual confisco, o que vale para a UFT. Se a economia está indo tão bem, como afirma o presidente, onde é que está o recurso público? Por que está faltando dinheiro?
Falta dinheiro por três motivos básicos: 1) os recursos públicos estão concentrados por este governo quase que exclusivamente no agronegócio; 2) o setores da economia que mais geram renda, riquezas e arrecadação fiscal é a indústria de base e a agricultura familiar, que têm sido sufocadas por aquela concentração; e 3) a retirada de recursos dos programas ministeriais para se tornarem emendas parlamentares.
– O que significa esse contingenciamento pra Educação, nesse período tão difícil?
Dr. Adão Francisco – Fazer isso exatamente no contexto eleitoral tem dois significados: por um lado, Jair Bolsonaro manda um recado para os professores, reiterando a sua brica com a Educação e com a Ciência. Por outro, ele fortalece o caixa do “orçamento secreto” e a sua destinação de emendas parlamentares, comprando apoio político para o segundo turno das eleições. O impacto disso é um Poder Executivo esvaziado de capacidade de decisão e de financiamento de políticas públicas, repassando essas prerrogativas para o Legislativo.
Cabe ressaltar que a bancada mais afirmativa do Congresso Federal tem sido a ruralista, tutora do agronegócio, o que explica o ciclo político e econômico vicioso.
– Dá como fazer Educação superior e básica de qualidade com todos esses embates enfrentados durante o atual governo?
Dr. Adão Francisco – Nunca na história desse país se cortou recursos exclusivamente da Educação. Quando houve necessidade de contingenciamento, isso aconteceu em todas as áreas, minimizando o impacto sobre a Educação. E os problemas da área sempre estiveram longe de ser resolvidos. Logo, com essas decisões do governo Bolsonaro a Educação brasileira se distancia mais ainda de maior qualidade.
O descaso é tão grave e o enfrentamento tão absurdo que no ano de 2020, ano da manifestação da pandemia da Covid-19, a Educação brasileira necessitou de mais recursos para a estruturação do ensino remoto de acesso a todos e para a manutenção e fortalecimento da alimentação escolar que chegasse a todos. E o que aconteceu? O governo Bolsonaro cumpriu apenas 75% do orçamento da pasta. O resultado disso se verifica no abandono escolar, tanto na Educação Básica como na Superior e Tecnológica, como nos indicadores de proficiência. Se verifica também nos indicadores de pobreza: fome, desemprego, subemprego, violência.
Mas é chocante perceber que no dia em que o atual corte foi anunciado, a recém-eleita senadora pelo Tocantins, deputada federal Profa. Dorinha, foi a Brasília manifestar o seu apoio a Bolsonaro.
Profa. Dorinha tem uma grande liderança junto aos grupos de interesse da Educação brasileira. Ela tem todo um protagonismo a exercer na Educação e na Ciência na condição de senadora. O seu apoio ao atual presidente anda na contramão disso tudo. Parte significativa dos eleitores que garantiram à deputada se tornar senadora é de trabalhadores em Educação, que não veem com bons olhos a sua decisão.
Aproveito, portanto, a ocasião de comemorarmos 34 anos de nosso estado, no dia em que se comemora também a promulgação da “Constituição Cidadã”, para convidar os parlamentares tocantinenses a assumirem postura mais republicana, cívica, democrática e comprometida com a Educação de nosso estado e de nosso país. País desenvolvido é país educado.