Com base na Constituição Federal e na Lei de Acesso à Informação (LAI), o ex-presidente Lula (PT), candidato à presidência da República, pode, se eleito, acabar com os sigilos de 100 anos impostos pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) a pelos menos 65 casos, entre eles as visitas que a primeira-dama Michelle Bolsonaro recebeu no Palácio da Alvorada.
Fazer um ‘revogaço’ nos sigilos é uma promessa feita por Lula em vários discursos e também em uma entrevista a uma rádio no interior de São Paulo.
“É uma coisa que nós vamos ter que fazer: um decreto, um revogaço desse sigilo que o Bolsonaro está criando para defender os seus amigos”, disse Lula, que defende a transparência no setor público, um princípio constitucional e democrático, fundamental na gestão por garantir melhor controle dos gastos e aprimoramento das políticas por meio do controle social.
Sigilos impostos por Bolsonaro
Alegando que está protegendo informações que o governo considera sensíveis, Bolsonaro impôs sigilo até a casos de polícia envolvendo aliados, como os dados sobre a prisão de um jogador bolsonarista, que queria entrar em outro país sem documentos, ou o de médico gaúcho preso no Egito acusado de assédio sexual. Tem também casos que envolvem os filhos do presidente e até a lista de convidados da primeira-dama Michelle Bolsonaro no Palácio do Alvorada.
O presidente usou artigo da LAI para tornar algumas coisas segredo de estado. Basta a imprensa solicitar os dados via LAI, para o governo decretar um século de sigilo. Lula pode revogar um artigo desta lei para acabar com a farra dos sigilos de um século.
Confira alguns segredos de estado, segundo Bolsonaro:
Carteira de vacinação
Em janeiro de 2021, o governo impôs sigilo de 100 anos para o cartão de vacinação de Bolsonaro. Segundo a assessoria da presidência, os dados “dizem respeito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem” do presidente. A decisão foi embasada no artigo 31 da LAI.
O presidente que ainda é contrário a vacina que salvou milhares de vidas da Covid-19, diz até agora que nunca se vacinou, mas não quer mostrar o cartão de vacinação. Em agosto deste ano, ele voltou a questionar a imunização contra a doença, em entrevista ao podcast “Flow”, o que desestimulou aliados a se imunizar. Muitos morreram por isso.
Processo sobre Pazuello
O governo federal colocou sigilo de 100 anos no processo interno do Exército contra o ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, pela participação dele em um ato político ao lado de Bolsonaro, em maio de 2021. Ele foi investigado por infringir o Regimento Disciplinar do Exército, de 2002. Pazuello foi acusado por má gestão durante a pandemia do novo coronavíris, em especial no caso do Manaus, no Amazonas, que na fase mais grave da pandemia, assistiu pessoas morrendo asfixiadas nos hospitais por falta de oxigênio.
Ação em favor de Flávio Bolsonaro
A Receita Federal impôs um sigilo de 100 anos no processo conhecido por “rachadinhas” do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O órgão afirma que os documentos possuem informações pessoais, com acesso restrito a agentes públicos e aos envolvidos no processo.
A Receita Federal mobilizou por quatro meses uma equipe de cinco servidores para apurar uma acusação feita pelo senador de que teria tido seus dados fiscais acessados e repassados de forma ilegal ao Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf), o que deu origem ao caso das “rachadinhas”.
Acesso dos filhos de Bolsonaro ao Planalto
O governo Bolsonaro também determinou o sigilo de 100 anos sobre informações dos crachás de acesso ao Palácio do Planalto emitidos em nome dos filhos Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), e Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Documentos da Covaxin
Os contratos da aquisição da vacina indiana Covaxin foram colocados sob sigilo de 100 anos pelo Ministério da Saúde. O acordo, assinado em fevereiro de 2021 ao custo de R$ 1,6 bilhão, foi investigado pelo CPI da Covid, que conseguiu derrubar a restrição de acesso.
Visitas a Michelle Bolsonaro
Os dados sobre quem visitou a primeira-dama Michelle Bolsonaro no Palácio da Alvorada foram colocados sob sigilo de 100 anos com o argumento de que há informações de cunho pessoal nos documentos.
Mensagem sobre prisão de Ronaldinho Gaúcho
Preso no início de 2020 no Paraguai por entrar no país com documentação falsa, Ronaldinho Gaúcho passou seis meses no país. Nomeado embaixador do turismo brasileiro pelo governo federal, o ex-jogador teve seu caso acompanhado pelo Itamaraty. Os pedidos de acessos às mensagens diplomáticas sobre o Ronaldinho e seu irmão Assis foram negados e colocados sob sigilo.
Médico no Egito
O médico Victor Sorrentino, detido no Egito acusado de assédio em 2021, recebeu assistência do Itamaraty no período. Os documentos diplomáticos estão sob sigilo e não podem ser acessados via Lei de Acesso à Informação (LAI). Ele foi detido, em 30 de maio de 2021, no Cairo, capital do Egito, após o vídeo em que faz perguntas com conotações sexuais a uma vendedora viralizar na internet.
De acordo com o UOL, a Constituição Federal e a própria LAI têm artigos que permitirão a Lula acabar com os sigilos.
Na Constituição, segundo a reportagem, a possibilidade está no parágrafo 4º do artigo 84 que diz que entre as competências do presidente da República está a de “sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”.
Isso significa que, caso seja eleito, Lula pode modificar o artigo 31 da própria LAI que fala sobre o sigilo de 100 anos. É esse artigo que está sendo usado por Bolsonaro.
Para mudar, Lula precisa apresentar um projeto de lei ao Congresso Nacional ou baixar uma medida provisória. Outro caminho seria alterar o decreto 7.724, que regulamenta a LAI, por meio de outro decreto. Na Lei de Acesso à Informação, a possibilidade de retirar os sigilos pelo presidente está no artigo 29: “A classificação das informações será reavaliada pela autoridade classificadora ou por autoridade hierarquicamente superior, mediante provocação ou de ofício, nos termos e prazos previstos em regulamento, com vistas à sua desclassificação ou à redução do prazo de sigilo”.