Um novo esquema para beneficiar o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), com o objetivo de liberar mais recursos para o chamado orçamento secreto foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo nesta quarta-feira (31). Segundo reportagem do Estadão, o presidente Jair Bolsonaro (PL) editou medidas provisórias para atender a pedido de Lira, porém adiou pagamentos de benefícios ao setor cultural e limitou gastos do fundo de ciência e tecnologia.
Nas medidas provisórias, o presidente adia o pagamento dos incentivos financeiros ao setor cultural previstos nas leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2. O texto determina que alguns repasses comecem a ser feitos somente em 2023 e outros só em 2024. Além disso, dificulta a transferência dos valores ao condicioná-la à observância de disponibilidade orçamentária e financeira.
Pela Lei Paulo Gustavo, a União ficou obrigada a repassar R$ 3,862 bilhões aos Estados e aos municípios para ações voltadas ao setor. A medida provisória joga esse prazo para 2023, autorizando ainda que o repasse se estenda para 2024, caso não seja executado integralmente em 2023.
Em outra medida provisória, o presidente Jair Bolsonaro limita o orçamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e abre espaço no orçamento entre 2022 e 2026 para outras despesas. O Congresso já havia aprovado a proibição de bloqueio de recursos do fundo.
A exposição de motivos das MPs, documento assinado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, cita o bloqueio de R$ 12,7 bilhões do Orçamento, que também atingiu as emendas do orçamento secreto. Nas contas de Bruno Moretti, assessor legislativo do Senado, as MPs podem abrir espaço de R$ 5,6 bilhões no Orçamento em 2022 (cerca de 45% dos valores atualmente bloqueados).
Segundo o especialista ouvido pela reportagem, com as MPs, o governo invalida as decisões do Congresso sobre as duas áreas e abre espaço no Orçamento para liberar recursos. “Sem dúvida, vai desbloquear as emendas de relator, que têm saldo a empenhar de cerca de R$ 8,2 bilhões. Ou seja, mais uma vez, governo prejudica a cultura e a ciência para canalizar recursos para o orçamento secreto”, afirma Moretti, que enxerga na ação contabilidade criativa para adiar o pagamento de despesas.
Moeda de troca eleitoral
Revelado pelo Estadão, o orçamento secreto serve de moeda de troca para as demandas das lideranças do Centrão, que já estão em negociações para a campanha de eleição das mesas diretoras da Câmara e Senado no início de 2023.
Segundo a reportagem, fontes do Congresso e do governo confirmaram a intenção de destravar as emendas do orçamento secreto com as medidas provisórias. Os parlamentares querem indicar as verbas travadas ainda antes da eleição de outubro, para que sejam liberadas até o fim do ano pelo governo, e por isso contam com a abertura do espaço fiscal no orçamento.
A última rodada de indicação de emendas de relator para os ministérios ocorreu em 4 de julho, e os parlamentares querem garantir o restante o quanto antes.
Retrocesso
A reportagem do Estadão ouviu associações ligadas à área da ciência e tecnologia, a exemplo da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e informou que elas pediram que o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), devolva a medida provisória. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) classificou a medida como um retrocesso para a pesquisa e inovação no Brasil.
Refém do Congresso
Em entrevista ao Jornal Nacional, no último dia 25, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou o orçamento secreto e afirmou que Bolsonaro “é refém do Congresso Nacional e não manda mais no país”.
Lula classificou o orçamento secreto como um “escárnio” e “usurpação do poder” que “acabou com o presidencialismo do país”. “Bolsonaro não tem mais controle do orçamento do governo federal, que está nas mãos do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), que distribuiu verbas públicas como bem entender”, denunciou em rede nacional.