Personagens são símbolo de luta e resistência contam suas vivências nesta reportagem especial
O dia 28 de junho é uma data muito importante e marca um momento histórico e luta por dignidade e respeito para a comunidade LGBTQIAP+.
A data é celebrada no mundialmente e teve seu primeiro episódio encabeçado por uma travesti preta, Marsha P. Jonhson, logo depois de uma abordagem policial violenta contra pessoas que frequentavam o Bar Stonewall Inn, em Nova Iorque, em 1969.
Naquele dia 28 de junho, várias pessoas da comunidade reagiram à opressão da polícia que realizava uma séria e ‘batidas’ no local sem ter o menor motivo. Equipes da polícia chegaram no bar e começaram a prender vários clientes, alegando ‘conduta imoral’, mas o real motivo era coagir os membros da Comunidade.
Na época, a batida em 1969 não seguiu o cronograma habitual esperado pelas forças policiais. Por conta da demora no transporte para levar as pessoas que haviam sido presas no bar, uma multidão começou a se aproximar e cercar os policiais. Há relatos de que eles ficaram cerca de 45 minutos paralisados, sem se mexer por medo das represálias
A revolta teve início por volta das 1h e os policiais só conseguiram dispersar a multidão por volta das das 4h da manhã, após a chegada da Polícia Tática de Nova Iorque.
Os eventos que se seguiram até o próximo ano, em 1970, culminaram na primeira parada LGBT de Nova Iorque, que iniciou o trajeto no bairro de Greenwich e seguiu até o Central Park.
De lá pra cá foram 53 anos e houveram muitos avanços, dos quais temos muito o que comemorar e nos orgulhar, mas também muito desrespeito que na maioria vezes são seguidos de violência verbal, psicológica, física e que levaram e levam muitos à mortes cruéis.
No Brasil nos últimos anos, o discurso conservador – que já era enorme – ganhou mais notoriedade e visibilidade ainda, principalmente com discursos de alguns políticos, principalmente os que defendem a ‘família tradicional’.
Pra se ter ideia, o nosso país é um dos piores lugares para pessoas LGBTQIAP+ viverem e se fizermos o recorte para travestis e pessoas transexuais, os dados são ainda mais assustadores, tornando o Brasil, o local que mais se mata pessoas T no mundo pela 13ª vez consecutiva, segundo o levantamento feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).
A média de vida de uma travesti no País é de apenas 35 anos e conforme a Antra publicou em janeiro de 2022, cerca de 140 pessoas trans foram assassinadas em 2021, sendo que deste total, 135 eram travestis e mulheres transexuais e 5 de homens trans e pessoas trans masculinas.
Neste ano, a servidora pública e presidente da Associação de Travestis e Transexuais do Tocantins (Atrato), Byanca Marchiori comemorou seus 39 anos.
Nossa equipe entrevistou Byanca que contou um pouco sobre sua vida e história e falou sobre a importância de ainda estar viva.
“É uma data muito importante pra minha vida o dia do meu aniversário, de se comemorar 39 anos de idade, onde a população trans tem a expectativa de vida de 35 anos”.
Ela contou também que sofreu dificuldades no início da transição e comemorou estar alguns avanços.
“Minha maior dificuldade no inicio da minha transição foi a aceitação no meio familiar, na comunidade e também no início no trabalho. Acredito que avançamos muito em busca da nossa liberdade. Fundei uma Associação que chama Atrato em busca de direitos no Tocantins e o uso do nome social e busco ajudar na criação de leis para esta população desassistida pelos governantes do nosso país”, disse.
Byanca disse que seu sonho é ver a população trans vivendo uma vida norma. “O meu sonho é ver esta população sem preconceito, numa vida normal como qualquer um… Atualmente me realiza ter alguém que me respeite que me aceita exatamente como sou”.
Indaiá Maria que é trancista e empreendedora negra, de 26 anos, luta para ganhar seu espaço todos os dias, numa sociedade transfóbica. Ela disse que lida ignorando o preconceito.
“Lido muitas vezes ignorando, porque são muitas no dia a dia e às vezes prefiro não dar atenção, mas tem sempre aquele dia que não conseguimos. Tento muitas vezes ser educativa com as pessoas, explicar o que não entendem”, explicou.
Indaiá Maria ressaltou que na capital é preciso que as empresas se capacitem para receber todos os tipos de corpos.
“Em Palmas sinto que falta inclusão no mercado de trabalho e capacitação de empresas, para que entendam sobre gênero e pessoas trans. Já passou da hora de entender que existirmos. Sempre foi muito difícil entrar no mercado de trabalho. Então acho que pra gente, sempre foi melhor investir em algo próprio, ser empreendedora”.
A trancista disse também que seu sonho era conseguir retificar seu nome e deseja que todas as pessoas trans e travestis consigam fazer a alteração e possam assim ter um pouco mais de dignidade.
“Meu maior sonho era de retifica meu nome, hoje com isso sendo possível e real, sonho com que outras garotas e garotos trans e travestis consigam retificar seu nome”.
A amiga de Byanca, a servidora pública Rafaella Mahare também celebra não fazer parte das tristes estatísticas. Aos 36 anos Rafaella, diz que criminosos não aceitam as diferenças.
“Chegar aos 36 anos e não ser parte de estatísticas tristes da nossa população é uma grande vitória. A expectativa de vida da nossa população beira aos 35 anos e na minha idade, costumo dizer que a gente está vivendo o bônus. São crimes de ódio que fazem do nosso país o mais ofensivo para a população T. A raiz do crime de ódio, claramente, é o preconceito. Os criminosos não aceitam as diferenças, sejam elas relacionadas à raça, religião, orientação sexual, deficiências físicas ou mentais, nacionalidade ou identidade sexual”.
Mahare que é vice-presidente da Atrato, Coordenadora da Aliança Nacional LGBTQIAP+ no Tocantins e Secretária Geral do Segmento LGBT Socialista do PSB no Tocantins, disse que faltam políticas públicas.
“Temos que nos orgulhar. Porque é uma luta pelos direitos da comunidade LGBTQIAP+, também um combate à transfobia, homofobia, à discriminação e à violência. Mas esse movimento vai além da transformação da sociedade em si, porque também é uma forma de demonstrar apoio para essas pessoas. Falta políticos progressistas e comprometidos com as pautas, além de políticas públicas que tragam a essa população a dignidade e o respeito da pessoa humana”.
A servidora pública contou que quando começou a transição, sua maior inimiga era ela mesma.
“O maior entrave foi eu mesma. A luta de assumir a transexualidade internalizada dentro de mim, que eu notei desde quando eu era criança, por conta da família, religião, emprego, etc. É por isso que é necessário nós pessoas T cuidarmos da nossa saúde mental. Esses processos de aceitação são melhor resolvidos com a ajuda da psicologia e psiquiatria”.
Sobre seus sonhos, ela diz que foi a transformação do seu corpo.
“A transformação do corpo é o sonho de toda pessoa T. Estou no caminho ainda, mas sinto-me realizada”, concluiu.
O barbeiro profissional Romeo Bezerra Benmuyal, de 24 anos também conversou com a nossa equipe. Ele disse que no início, a mãe quis questionar, mas no dia seguinte a se assumir, ela chegou com uma sacola de roupas.
“Minha maior dificuldade num é nem por ser um homem trans, é ser um homem trans gay. Muitas pessoas tem preconceito. Quando me questionam, eu falo e a pessoa fica sem reação e acaba o assunto. Com a minha mãe, no início, ela quis debater um pouco, falar que isso era errado, essas coisas, mas aí no outro dia ela já disse que me amava, me aceitava como eu era. Ela me viu vestindo umas roupas que meus amigos tinham me dado, aí ela disse pra eu não usar roupa de ninguém, ainda mais roupa velha. Aí ela saiu, quando ela voltou, estava com uma sacola cheia de roupas masculinas, tipo aquelas sacoleiras que vendem roupas, aí eu fiquei muito feliz. Chorei, ela disse pra mim que só queria o meu melhor . Fiquei muito feliz em ter o apoio dela, ela me ajudou nessa parte. Já o meu pai, quando eu falei, eu tinha 15 anos quando me assumi. Daí ele me chamou pra uma conversa, disse que isso era errado, um papo assim, bem de pessoa que é de dentro da igreja, mas hipócrita, aí eu nunca mais tive contato com ele. Ele mora aqui em Palmas e eu não o vejo desde os 15 anos e não faz falta. Depois que eu transicionei, que eu sou quem eu sou, e sou bem feliz por ser quem eu sou, foi muito bom”, contou.
Romeu disse ainda que vários ‘amigos’ se afastaram, mas que isso foi positivo, pois não precisou ficar discutindo sobre sua aceitação.
“Vários amigos meus que eram preconceituosos simplesmente se afastaram e eu dei foi é graças à Deus, porque eu não precisei ficar discutindo muito com as pessoas sobre isso não. A aceitação de outras pessoas foi fácil, mas de início um pouco difícil sobre a questão do meu nome. Eu via que as elas erravam, mas sempre tentavam corrigir no ato em que falavam e eu vejo que isso é um processo de cada um, as pessoas acostumadas a me chamar de fulano e de repente ter que ser chamado de ciclano”.
Como se assumiu ainda adolescente, Romeo contou ainda que foi difícil arrumar emprego, mas que hoje em dia, todos seus amigos do trabalho e clientes o respeitam muito.
“Foi muito difícil arrumar emprego, tanto que eu nunca consegui um durante esse tempo todo. Aí eu aprendi a cortar cabelo e isso me ajudou muito, porque eu fui conhecendo outras pessoas e isso foi me transformando profissionalmente e hoje em dia eu trabalho só com isso, só com corte de cabelo e no meu local de trabalho é muito bom. Todos me aceitam, me respeitam. Às vezes entram uns clientes que são homofóbicos, que dá pra ver e tem uns que são gays, mas são transfóbicos e isso também a gente percebe, porque o cara corta o cabelo comigo só pra me questionar sobre a minha sexualidade, sobre quem eu sou e depois não quer cortar mais, o que não me chateia, pois tenho bastante clientes e todos eles são amigos, e se importam com quem eu sou profissionalmente”.
O barbeiro sonha em fazer a mastectomia, ser um excelente profissional e ter a casa própria ao lado do namorado.
“Eu quero poder ter uma barbearia muito top, ser um bom profissional, ter uma carreira muito boa e estou lutando pra isso. O meu sonho no momento é fazer a mastectomia – retirada das mamas – estou na luta por isso. Cada corte de cabelo que eu faço, eu tiro uma quantia pra eu poder conseguir realizar esse sonho, o que não é fácil, porque o procedimento é um valor muito alto que a gente tem que pagar, mas tô na luta e quero também ter uma casa com própria ao lado da pessoa que eu amo, com quem vivo agora”.
Eiden Ferreira da Luz, de 24 anos, que também é barbeiro profissional é proprietário da 1ª barbearia voltada para o público LGBTQIAP+ do Tocantins. O estabelecimento que fica na 305 Norte e foi inaugurado em abril deste ano.
Eiden disse que o Dia do Orgulho é um ato de resistência e que encontrou várias dificuldades em sua transição.
“O Dia do Orgulho é um ato de resistência, que há muito tempo vejo como um grito, que diz “estamos aqui, esse espeço também é nosso, e vocês vão ter que respeitar”. Também é o dia que vejo todas as pessoas dos vários grupos que temos na sigla LGBTQIAP+, realmente se unificar em por algo maior. E um dia extremamente importante para nossa história, nosso crescimento. E na semana do orgulho é o tempo em que realmente somos ouvidos. Podia ser o ano todo, infelizmente sabemos que não é o que acontece”, lamentouc
O empreendedor contou uma triste realidade que infelizmente acontece todo o tempo com pessoas trans, que é o não respeito da família.
“Eu encontrei várias dificuldades, negação da grande maioria. Mas tive bons amigos que me acolheram. A família finge que ainda sou a menininha. Espero ser mais respeitado, espero que as pessoas se conscientizem mais, quero muito que o atendimento de saúde em Palmas valide nossas necessidades de fato. Continuamos sem ambulatório, que o tratamento seja menos burocrático. Espero que mais famílias respeitem também crianças trans”.
Sobre sua maior conquista até o momento, ele cita ter se assumido quem realmente era e sua barbearia. Ele pretende ainda aumentar seu empreendimento para empregar pessoas da comunidade.
“Minha maior conquista foi me assumir para mim mesmo realmente quem eu era. E claro minha barbearia voltada ao público LGBTQIAP+, e assim tbm comecei ajudar na auto estima de pessoas como eu. E assim essas pessoas se sentem seguras e confortáveis de fato. Quero crescer como pessoa. Trabalhar meu físico e minha mente para manter a saúde e bem estar. Quero crescer mais no meu empreendimento para gerar mais empregos para nossa comunidade, (pois muitos empresas ainda são homofóbicas de fato e precisamos de espaço para trabalhar). Meu sonho é que todo mundo cresça e tenha um trabalho digno junto”.
Influencer Jamile Rosângela Santos da Costa, 39 anos, conhecida como Milly Costa, é sapatão preta e gorda. Ela que mora em Salvador (BA) contou que vários preconceitos a tornam invisível.
“Quanto mulher preta gorda sapatão, sim sem vírgulas, minha maior dificuldade é ter uma existência sem ser invisibilizada, é de existir sendo sujeito de direitos básicos, já que quanto preta sofro racismo, quanto gorda sofro gordofobia, quanto lésbica sofro lesbofobia, porém eu ainda sou mulher, macumbeira e pobre. Tudo isso alinhado me exclui de viver sem ser violentada por que coleciono marcadores de desigualdade”.
Para ela, o dia – mês do – Orgulho serve para tornar visível nossas lutas.
“O dia do orgulho que na ousadia já transformamos em Mês do Orgulho serve como meio de levar pra as vistas da sociedade todas as ações que fazemos ao longo do ano, pra mim esse é o momento de tornar visível nossas lutas, pois é um momento onde as pessoas de fora do ciclo LGBTQIAP+ tem acesso a nossas vivências, mesmo que contra gosto, pois a repercussão de atividades se torna massiva, o que ajuda na informação de alguns que estão abertos a conhecer sem julgar”, explicou.
Sobre os sonhos, Milly também enfrenta o que várias mulheres pretas lésbicas gordas enfrentam. A invisibilidade e falta de acesso a várias coisas, inclusive, a falta de segurança alimentar.
“Sobre sonhos, nunca tive muitos porque até o direito de sonhar me foi arrancado, os poucos que consegui ter. Não os realizei e nem sei se realizarei um dia, minha utopia de ser prestigiada e valorizada por minha intelectualidade já larguei de mão, o desejo de montar um café bonito que nem uma casinha de bonecas colorida, onde pretos e LGBTs circulassem sem constrangimento também deixei pra lá, mas acima de tudo sonhei em ter grana pra financiar estudos de talentos das comunidades, de ter grana pra meus amigos e familiares, ter segurança alimentar esse sonho nunca morre, acho que esse vou morrer sonhando”.
A influencer reconheceu que apesar de poucos, os avanços foram significativos.
“Embora sinta vontade não posso negar os avanços, são poucos, mas significativos. Só o fato de não sermos mais conduzidos a sanatórios e receber eletrochoque é o maior avanço para todos os LGBTQIAP+. Mas eu gostaria que houvesse uma lei que garantisse habitação para população, que muito jovem ainda é posta pra fora de casa e simplesmente não tem pra onde ir”, finalizou.
Por fim e não menos importante, nossa equipe entrevistou o artista e professor universitário concursado Adailson Costa dos Santos de 30 anos. Ele que veio da Paraíba, mora em Gurupi e dá aulas no Instituto Federal do Tocantins (IFTO).
Adailson disse que se assumiu em duas etapas e que teve o apoio da família.
“Quando eu me assumi, foi em duas etapas. A primeira, eu morava com minha mãe e minha irmã e a primeira foi a minha irmã, ela que me assumiu pra mim mesmo, tanto que ela me mandou uma carta no meu aniversário, quando ela tinha 12 anos, no meu de 18 anos, ela me mandou uma carta falando que sabia que eu era gay. Ela me mandou uma carta porque era o único jeito da minha mãe não saber, porque ela é analfabeta, então ela me mandou uma carta, pra que eu pudesse ler e saber que ela sabia sem eu precisar ler em voz alta. E pra m minha mãe não tinha o que assumir, porque eu já tinha 21 anos, no meu segundo namoro, quando eu estava prestes a casar fui assumir pra ela e foi a cena clássica, sentada no sofá chorando dizendo que queria ver alguma coisa, porque eu esperava que minha mãe não iria mais falar comigo, afinal, uma mulher analfabeta, doméstica, paraibana, então eu achei que estava dentro dos estereótipos possíveis e ela só virou pra mim e disse: Meu filho, cê não consegue falar não? Então eu vou dizer pra você. É que você fica com meninos é: Tudo bem, pra mim tudo bem, não tem problema nenhum. Mostra aí a foto do meu genro. E como eu estava namorando, eu fui buscar a foto do meu marido pra poder mostrar pra ela na época. A partir disso, a minha relação com minha família foi clássica. Uma semana depois ela já conhecia meu namorado, então a relação deles foi muito ok. Meu pai eu nunca me assumi porque nunca morei com ele, e na época tratavam meu marido como amigo do Adailson, até que uns dois meses depois eu cansei dessa coisa de amigo e falei gente, ele não é meu amigo. Nós somos casados há mais tempo que vocês são casados. Nós tínhamos uma relação já de 7 anos… então, teve só essa questão. Minha irmã já tinha contato pro nosso pai, um dia ele perguntou: E você tá tudo bem? E o rapaz lá ? Aí eu entendi naquele momento que ele já sabia, tinha entendido o que era, que tava tudo bem pra ele”.
O professor contou que já passou por lugares de tralho e que ele não podia amarrar o cabelo, porque era ‘coisa de mulher’ e que já foi alvo de preconceito no atual emprego.
“Como professor sim, como artista nem tanto. Eu acho que tá muito próximo da ideia de estereótipo de artista ser gay que as pessoas tem, mas isso nunca foi uma questão pra mim. Como professor foi por um tempo, porque tem escola que chega a pedir pra você tenha determinados comportamentos, mas que eram inevitáveis e eu não iria ter aqueles comportamentos, então, ter que ficar escondendo a minha vida e durante um tempo eu tinha que trabalhar dessa forma, mas não como professor, porque antes de eu atuar como, eu atuava em outras áreas dentro da escola. Eu tinha que ter o Instagram fechado, porque nessa época eu já era casado e ninguém podia saber que eu era casado, eu tinha o cabelo comprido na época e foi exigido da supervisão que eu não soltasse o cabelo, porque era coisa de mulher. Então se eu trabalhasse na parte interna eu podia soltar o cabelo e foi o único dia que foi solto, porque eu realmente não queria amarrar naquele dia.. Na época eu não sabia o que estava acontecendo, mas hoje eu entendo que era homofobia. Já fui alvo nessa escola e no atual trabalho. Uma pessoa já comentou no meu trabalho, eu sou professor universitário, dou aula em curso superior, pro ensino médio, pra pós-graduação, tô fazendo doutorado, e mesmo assim eu já ouvi, não diretamente pra mim, de que eu era muito espalhafatoso, que eu podia ser gay, mas que eu chamava muita atenção, que eu gritava muito, falava muito alto e que fez o comentário numa mesa de bar e que achou que poderia fazer comentários a meu respeito e eu apenas me afastei” comentou.
Adailson não tem medo hoje de se expressar como realmente é e como se enxerga na sociedade, mas conta que sofre muito preconceito.
“Já fui muito criticado por ser afeminado, porque eu gosto de pintar as unhas, porque eu gosto de usar batom, brincos muito grandes, o das roupas mais diferentes do Câmpus, pelo tamanho da roupa que eu uso. Tem alguns professores que quando me conhecem, não gostam de mim, de fato sou um ponto fora da curva do lugar onde eu trabalho, apesar de ser um Instituto Federal, de ser um local público. Eu sou o que vai chegar com a unha pintada de vermelho, que vai chegar com batom, que vai pra apresentação do curso com o reitor, de batom, e tá tudo bem. É isso, é como eu sou, como gosto de me colocar no mundo. Talvez de todos os preconceitos, o racismo sim, mas eu sei dos meus privilégios de ser uma pessoa preta não tão retinta e de ser uma pessoa considerada bem sucedida, então como eu sou considerada uma pessoa bem sucedida porque recebo meu salário, trabalho muito pra receber, como eu tenho esse privilégio, eu sofro menos racismo que outras pessoas, mas eu também sofro constantemente, porque saiu desse ambiente onde a pessoa sabe qual é valor monetário que eu tô recebendo, que geralmente é do lugar onde eu trabalho, então o racismo e a gordofobia são os preconceitos que chegam pra mim, porque principalmente hoje, as pessoas têm isso de “ah é gay, é feliz, é animado, a gente precisa fingir que gosta deles”, nas pequenas nuances vão sendo percebidas. Eu olho o jeito como olham pra minha roupa, eu olho o jeito como olham pra minha unha. Isso vai ser quando o recorte é racismo, quando o recorte é gordofobia, quando o recorte é homofobia. É difícil lidar com esses preconceitos porque parece que ninguém mais vê”.
Nas realizações, ele contou que uma das maiores foi poder dar um porto seguro para a família e conseguir contratar um plano de saúde para a mãe.
“Acho que das conquistas mais importantes que eu tenho hoje, talvez tenha sido ser professor universitário concursado federal, estar hoje cursando doutorado, mas talvez a melhor de todas as conquistas que eu tenha tido, é poder voltar ao passado e poder retribuir pra minha família, principalmente pra minha mãe me criou basicamente sozinha. É tipo, toma aqui, eu vou te dar um plano de saúde, foi a coisa que mais chorei na vida foi poder ter um plano de saúde pra minha mãe, é chagar na minha mãe e falar, vai no médico, mas vai num médico bom, eu sei que o SUS nos abastece de formas maravilhosas, mas tem detalhes que isso foi tão significante pra mim que eu fiquei um tempão embasbacado olhando por cartão e pensando, meu Deus, a minha mãe vai ter um plano de saúde. E eu vou poder pagar. Hoje eu pago o aluguel da casa da minha mãe. Então, talvez a maior conquista é poder dar um pouco de estabilidade pra minha mãe, embora ainda ela seja uma senhora independente, porque ela gosta de trabalhar mesmo, tem 56 anos e se ela parar de trabalhar ela fica doente, embora eu queira aposentar ela. Poder ajudar minha mãe, irmã, sobrinho, quem eu amo é muito importante pra mim. Conquista imaterial é poder estar concursado, estar cursando meu doutorado, conquista intelectual. Estou sendo o gordo, o nordestino, o preto da Universidade, eu vou ser professor, eu vou ser doutor em breve”, finalizou.