A rainha Elizabeth 2ª, que por sete décadas ocupou o trono britânico e se tornou um símbolo da monarquia em todo o mundo, morreu nesta quinta-feira (8), aos 96 anos. Seu filho mais velho, o príncipe Charles, deve sucedê-la no trono.
A morte foi confirmada pelo Palácio de Buckingham depois da informação de que ela estava sob cuidados médicos e que a família mais próxima havia sido chamada a Balmoral, na Escócia, onde a rainha passava o verão. Dias antes, em uma de suas últimas aparições, Elizabeth deu posse à nova primeira-ministra britânica, Liz Truss. Segundo comunicado oficial, ela morreu em paz; a nota chama Charles de rei e sua mulher, Camila, de rainha consorte.
Preocupações com sua saúde vinham se avolumando havia meses, principalmente desde que ela passou uma noite no hospital, em outubro de 2021, por motivos não totalmente esclarecidos pela monarquia. Desde então, a rainha chegou a cancelar a participação em diversos eventos públicos —inclusive alusivos à celebração de seu Jubileu de Platina— e mesmo virtuais em decorrência de “problemas de mobilidade”.
Em fevereiro de 2022, ela chegou a receber o diagnóstico de Covid-19, mas se recuperou.
A rainha Elizabeth 2ª sorri no Palácio de Buckingham em evento de seu Jubileu de Platina – Chris Jackson – 5.jun.22/Pool/AFP
Elizabeth passará para a história como a soberana britânica de mais longo reinado. Em julho de 2015, ela superou os 63 anos e cinco meses de trono da rainha Vitória (1837-1901), cuja coroa, no entanto, tinha um peso bem maior de um imenso império colonial, hoje não mais existente.
De maneira discreta, Elizabeth deixa como trunfo a preservação da confiança na coroa, ainda que a mídia tenha destrinchado —de forma quase impiedosa— as crises internas da família real em seu longo reinado.
Em 1992, em discurso comemorativo aos 40 anos de sua coroação, afirmou que aquele ano fora um “annus horribilis” (horrível, em latim), referindo-se aos divórcios quase simultâneos do príncipe Andrew, seu segundo filho, com Sarah Ferguson, e da princesa Anne, sua única filha mulher, com Mark Phillips.
A rainha já tivera tempo para se acostumar aos escândalos. Sua irmã, a princesa Margaret (1930-2002), fora amante de um plebeu divorciado e pai de dois filhos, Peter Townsend, casando-se depois com o fotógrafo Antony Armstrong-Jones, de quem se divorciou. Depois, passou a colecionar namorados.
O pior viria em 1996, com o divórcio de Charles e Diana Spencer, que no ano seguinte morreria em um acidente de carro, em Paris, junto com o companheiro Dodi Fayed. A comoção gerada pela morte de Lady Di, que recém-completou 25 anos, contrastou com os cinco dias de silêncio da rainha, o que fez despencar sua popularidade.
Mais recentemente, viu seu filho tido como favorito, o príncipe Andrew, envolvido em um escândalo sexual ao vir à tona denúncias de que manteve relações sexuais com uma adolescente de 17 anos, em 2001, vítima do esquema de tráfico sexual do bilionário Jeffrey Epstein.
Elizabeth não nasceu para ocupar o trono. Sua vida mudou quando tinha dez anos. Seu tio, Eduardo 8º, renunciou para se casar com a socialite americana Wallis Simpson. O irmão dele, George 6º, tornou-se rei, e a princesa, caso não nascesse um irmão de sexo masculino, seria a sucessora da dinastia de Windsor.
Foi o que aconteceu na abadia de Westminster, em 2 de junho de 1953. Pela primeira vez, no Reino Unido, uma coroação era transmitida pela TV. Elizabeth assumia também como chefe de Estado de um grupo de países historicamente vinculado ao antigo Império Britânico, como Canadá, Austrália e Nova Zelândia.
Com funções políticas apenas simbólicas —nomear como primeiro-ministro o líder do partido majoritário—, Elizabeth 2ª assistiu passivamente à desintegração do império e à transformação em república de antigos territórios coloniais. Foi um longo e contínuo sopro de história que não a afetou.
Elizabeth e o príncipe Philip se conheceram em visita da princesa à academia naval britânica, na qual o então estudante foi destacado para ciceronear a herdeira do trono.
Ela discretamente criticou decisões do governo, como a invasão franco-britânica do Egito para recapturar o Canal de Suez, em 1956, o aumento do desemprego quando a premiê era Margaret Thatcher, nos anos 1980, ou, 20 anos depois, o número excessivo de militares que Tony Blair enviou a Iraque e Afeganistão.
Apoiou em 1983 a Guerra das Malvinas —reconquista do arquipélago ocupado pela à época ditadura argentina. Orgulhava-se de ter seu filho Andrew entre os militares enviados ao Atlântico Sul.
Também, e sempre discretamente, preocupou-se com o desapego à monarquia do primeiro-ministro canadense Pierre Trudeau (1919-2000) e teria ficado furiosa quando os Estados Unidos invadiram Granada, em 1983. É um arquipélago do Caribe do qual Elizabeth 2ª era a chefe de Estado.
Um monarca britânico deve se manter institucionalmente de boca fechada. Foi uma das regras do jogo a que se sujeitou, para não se deixar contaminar pelo desgaste dos sucessivos gabinetes que testemunhou.
As poucas exceções a essa regra de comportamento político vieram com discrição, como o elogio que fez à União Europeia, ao visitar Berlim em junho de 2015, no mesmo momento em que o então primeiro-ministro David Cameron se dispunha a convocar um plebiscito pela saída do Reino Unido do bloco.
Realizado no ano seguinte, a votação acabou levando ao brexit.
A rainha da Inglaterra, Elizabeth 2ª, viaja em uma carruagem durante o evento oficial em homenagem ao seu aniversário. Reuters/Simon Dawson
A rainha da Inglaterra, Elizabeth 2ª, viaja em uma carruagem durante o evento oficial em homenagem ao seu aniversário
A morte de Phillip foi seguida de uma série de questões relacionadas à saúde de Elizabeth, que recebeu a recomendação de deixar de ingerir álcool diariamente. De acordo com a revista Vanity Fair, a rainha gostava de beber, quase todas as noites, um dry martini.
Antes, ela foi vista usando uma bengala pela primeira vez sem motivo médico específico em um grande evento público —em 2003 e 2004, após uma operação no joelho, ela já tinha aparecido com o item.
O ápice desse período foi a noite que passou em um hospital para, segundo o Palácio de Buckingham, realizar exames preliminares. A internação relâmpago só foi anunciada quando ela já havia retornado ao castelo de Windsor, mas foi o bastante para que ela cancelasse uma viagem oficial à Irlanda do Norte.
Todos esses problemas, no entanto, não a faziam se sentir velha. Aos 95 anos de idade, recusou o prêmio de “Oldie of the Year” (velho do ano), concedido por uma publicação britânica a membros das gerações mais velhas que contribuíram com a sociedade, porque “uma pessoa é tão velha quanto se sente”.
O título não fará nenhuma falta à soberana do mais longo reinado da história do Reino Unido.